A Clínica

A Clínica 

 Os hospitais são bem movimentados e cheios de pessoas entrando e saindo, sejam pacientes ou acompanhantes até os médicos e enfermeiros. As vezes eu me pergunto o motivo que me levou surtar daquele jeito, explanar a máfia daqueles médicos sanguessugas que ganhavam muito dinheiro público para dormirem em suas salas após um plantão em seus hospitais particulares enquanto as pessoas pobres -as mais necessitadas na minha opinião - estavam adoecendo em seus leitos. Será que eles consideravam hospitais públicos "menos importantes" que os particulares?




 Eu não aguentei aquela pressão, meu senso de justiça é muito mais forte do que esse conformismo e dormência social. Esses monstros, sim monstros, eu me recuso a chama-los de médicos, foram presos e perderam o direito de exercer a pratica da medicina. Mas sabe qual foi o pior? Me ameaçaram de morte. O Diretor do hospital preferiu me transferir para outro hospital, na verdade eu até que gostei num primeiro momento. O salário ia ser duas vezes maior, eu iria trabalhar no plantão noturno, só não conhecia esse hospital.

 - você desmontou a máfia dos médicos, mas sabe qual é o pior? Perguntou o Diretor Marlon, um senhor de 47 anos mais ou menos e de aparência juvenil, cabelos escuros mas que escondiam as raízes de seu cabelo branco que estavam crescendo e ele usava óculos redondos sugerindo um homem vaidoso. Eu olhava para ele com aquele tipo de alívio de dever cumprido. Com ar de justiça feita.
 - Sabe que isso não vai acabar aqui. Eles são ricos e vivemos em uma pseudo democracia, uma democracia burguesa por assim dizer. Serão soltos em breve... Eu tentei questiona-lo, mas eu notei que sua maneira de falar e o seu tom de voz era de alguém que estava realmente preocupado com meu bem estar. Aceitei ser transferido para o outro hospital.

 Era uma clínica psiquiátrica, na verdade era algo como uma Instituição de Longa Permanência para idosos(ILPIs). Estavamos em janeiro, mês que mais chovia. O hospital ficava no interior da cidade, bem afastada, acreditavam que a calmaria da zona rural ajudava a relaxar os pacientes. A estrada era de terra batida, me parecia barro vermelho acentado e haviam pedras misturadas ao chão, medida essa adotada pelos moradores da localidade para almentar ainda mais a tração dos carros, evitando assim uma pista totalmente lisa e escorregadia em dias de chuva.

 Estava sendo a minha primeira vez naquele lugar. Batia um frio na barriga, como se fosse o primeiro dia de aula, o medo de algo diferente sustentado pela aparência do hospital, que era velha porém bem cuidada. Era uma dessas construções antigas mas os responsáveis faziam questão de manter a integridade junto a aparência centenária do local. Me identifiquei para o porteiro, disse que fui transferido. Ele conferiu uns papeis dentro de uma prancheta e soltou um riso irônico no canto da boca e me perguntou se eu era religioso.
-não sou. Eu respondi rapidamente -na verdade não acredito nessas besteiras!
-aprenda a rezar rapaz, o homem respondeu e se virou apertando um botão.  O portão era automático e se abriu. Eu fui dirigindo em frente.
 Lá dentro era como uma pequena vila. Era dividido por setores: dois setores para idosos, lúcidos separados em setor "A" para idosos e "B" para idosas e mais dois setores psiquiátricos, também divididos em "C" e "D" separando então o masculino do feminino. Ali que eu iria trabalhar.
 Encontrei-me com uma Irmã de caridade, um senhora trajando vestes de freira, ela me mostrou o local dos setores, explicou-me um pouco sobre os pacientes. No entanto, havia estrada mais acima cerca de uns 10 metros após os setores psiquiátricos,  um portão gradeado de ferro pintado de branco, um gramado natural mau cuidado e algumas estátuas de santos e anjos na entrada. Havia ao lado do portão uma casinha de cachorro feita de madeira como essas que compramos nos PetShops, residia um dálmata bem atlético, preso a uma corda. No canto esquerdo havia um pote de água e no outro um pote com sobras de comida, não dava pra enchergar direito mas me parecia arroz com alguma outra coisa que não consegui identificar.
 - o que há após aquele portão? perguntei apontando em direção a pequena estrada que ia para o alto.
 A Freira respondeu: é o cemitério, Infelizmente usamos bastante nos últimos dias. Eu estava acostumado com a morte, de nada me afetou trabalhar próximo a um cemitério - ok, vou vestir o meu jaleco e já retorno. Eu disse para a freira, que balançou a cabeça como em um gesto de "sim".

 Assim que eu me troquei fui para o setor psiquiátrico no qual me designaram. Recebi o plantão de uma moça, não me lembro o nome dela, sou péssimo com nomes.
 Estava tudo tranquilo, nada de extraordinário havia acontecido. Olho para o relógio em meu braço esquerdo, um desses de cor preta e digital, estava velhinho mas funcionando, marcavam 00:03 da noite. Eu já havia realizados os cuidados necessários para os pacientes,  ou seja, troca de curativos,  administração de medicamentos via oral e via intravenosa e estava realizando o aparazando do restante da medicação. Estava frio, na minha sala tinha umas machas de mofo. -Droga, estava chovendo! Dava pra notar, pois o mofo vinha de uma infiltração ligada ao teto, assim que a mancha de cor verde clara e alguns pontos pretos se destacavam sobre a parede branca, era indício de que estava chovendo. Não estava trovejando. Eu fui fazer uma ronda para ver como estavam meus pacientes.
 O silêncio era predominante naqueles corredores frios. Somente as luzes noturnas nas paredes clareavam de leve aqueles quartos, luz fraca e de tom avermelhado. Haviam crucifixos e pinturas com imagens de Jesus Cristo junto a anjos e alguns santos conhecidos expalhados por todo canto desse setor.  Eu não estava acostumado com essa calmaria, confesso que me dava sono. Meus olhos pesavam e frequentemente eu bocejava, mas não pudia sucumbir ao sono que me assolava, eu precisava me manter acordado. Terminei de caminhar pelos setores para me certificar de que todos estavam dormindo bem. Faltavam algumas horas para administrar a medicação de alguns pacientes, resolvi ir até a copa, que ficava no andar de baixo dos setores, não havia escadas e sim uma grande rampa com pisos antiderrapantes claros e pudia se notar manchas de produtos de limpeza. Cheguei na porta da copa e ouvi meu nome sendo sussurrado. Eu me assustei num primeiro momento, olhei para os lados e não vi ninguém. Pensei que fosse minha imaginação. Abri a porta da copa e fui em direção ao armário onde havia uma garrafa de café. Para alguém como eu, que trabalha tanto tempo na área de saúde e frequentemente era chamado ou via gente falecendo o tempo todo, sussurros e sensações de pessoas lhe chamando é frequente e até normal.
 Como eu era novo e não conhecia o lugar direito, não havia reparado como era aquela copa. Bem diferente do que era no hospital. Ela parecia uma cozinha doméstica, havia uma pia grande com armários embutidos na parte de baixo, a pia era uma dessas pedras de mármore preta caras e bem estilosas na minha opinião, o piso não era antiderrapante e parecia com o do corredor e conforme o restante do setor, acima da pia dava pra ver um janelão de vidro fume com as bordas de borracha preta que davam vista para o jardim gramado de fora e a estátua de um santo, acho que era o São Vicente de Paulo se não me falha a memória. As portas eram de alumínio, desses modelos leves e mais baratos que fazem muito barulho ao abrir, reparei que não havia maçanetas e a porta se fechava com trincos que adentravam em furos na parede.

 Ouvi urros que me pareciam queixas algicas vindos do andar de cima, os quartos. Rapidamente meu instinto profissional falou mais alto, larguei meu copo de café pela metade e corri para o local de onde vinha o choro. As unicas coisas que cortavam aquela escuridão total eram as luzes noturnas, não sei se ajudavam muito. O silêncio fora abalado com os urros de dor vindos de um paciente. Ao chegar na porta, acendi as luzes e o quarto ficou claro como o dia, notei um barulho estranho que me lembrava algo sendo frito, mas não dei atenção para isso, meu foco era dar conforto ao interno que gritava. Vendo o paciente perguntei o que havia de errado, e tendei descobrir o motivo de sua algia. Ele não falava. Anos atrás, quando não era paciente dessa clínica, ele era um pedreiro forte e musculoso, de pele morena e calvo, porém devido ao seu problema de alcoolismo sofreu uma queda de cinco metros e sobreviveu, com algumas sequelas é claro, uma delas foi um acidente vascular cerebral que lesionou a parte de seu cérebro responsável pela fala. Ele ficou muito tempo acamado, isso fez com que seus músculos atrofissem, impossibilitando que o mesmo deambulasse normalmente sem auxílio de uma cadeira de rodas especialmente adaptada, segundo seu histórico, isso o deixou muito depressivo, principalmente o fato de sua família ter abandona-lo aqui.  Mas apesar da falta de fala, da pra ver em seu olhar o pavor e a inquietude. Ao longe eu escutava o latido incessante do dálmata, ouvi dizer que eram bons cães para servirem de guardas. Tirei todo o cobertor do paciente para examina-lo melhor. Ao fazer a anaminese dele, dava pra notar que em seus pés haviam marcas de queimaduras de segundo grau, achei aquilo estranho pois não havia relatos de intercorrências no livro de ATAS. Acalmei o paciente e corri para a farmácia do meu setor, onde havia o material para curativo. Estava pegando a sulfatiazina de prata, soro fisiológico, gazes, luvas e outros materiais quando escutei o sussurro me chamando novamente. Dessa vez foi diferente, eu senti o calor úmido de uma pessoa falando colado a minha orelha. Eu deixei a cubarim, uma cuba curva feita de aço inox, cair no chão fazendo um barulho muito alto ao se chocar contra o piso, principalmente porque não haviam janelas na farmácia e estava tudo silencioso. Confesso que aquilo me gelou até a alma. Recobrei o estado são e levei o material para o quarto. No caminho fiquei pensando na falta de responsabilidade do plantonista diurno de não relatar aquela queimadura, aquilo era grave e poderia infeccionar. Realizei o curativo e o senhor Wilson, nome do paciente, ainda estava com feições de choro misturadas com pavor, pupilas dilatadas e se pudia notar o medo no fundo de seus olhos avermelhados devido ao intenso lacrimejar. Recolhi o material, apaguei a luz e voltei à farmácia para higienizar o material, descartar o que era lixo e relatar a queimadura juntamente com a realização de um curativo oclusivo que eu havia feito. Escutei o bater da porta de alumínio da copa, o barulho foi alto. Não me importei, achei que era o vento e preferi organizar a farmácia primeiro.
 Terminei o que eu devia fazer na farmácia e ao abrir a porta da copa me deparei com uma bagunça tamanha, pratos no chão, torneira ligada, pia inundada e havia lavagem no chão todo, e o café? Todo esparramado pela mesa junto ao copo, que em virtude daquela cena, agradeço por ele não ter quebrado, ja quebera de vidro. Era meu primeiro dia ali, aliás primeira noite. Eu não queria incomodar a equipe de limpeza, eram por volta de uma e quarenta e cinco da madrugada. Resolvi limpar. Porém não me saia da cabeça a dúvida pertinente: o que diabos havia acontecido ali? Seriam os fantasmas do cemitério? Eu pensava na minha mente com tons de escárnio e deboche.

 Quando eu era mais novo minha mãe me obrigava a ir nas misas. Fiz a primeira comunhão e até fui coroinha uma certa época. Nas rodas de conversa entre os amigos eu brincava dizendo que não fui um coroinha de verdade, afinal nunca havia sido estuprado por um padre. Piada totalmente idiota, percebo hoje em dia, porém naquela época gerava umas gargalhadas amigas entre os mais chegados. Talvez o fato de eu ter participado dessas coisas religiosas por obrigação me fez achar religião algo inútil para a minha vida. Eu não precisava pôr a culpar dos meus erros em algo sobrenatual, uma divindade. Acredito que eu participava dessas coisas para agradar a minha mãe, que havia falecido alguns anos atrás. Fiquei muito triste quando isso aconteceu, principalmente por ter sido negligência médica. Pensando bem, de uma maneira infeliz,  graças a ela que eu descobri o esquema de alguns médicos e criei coragem para denunciar, junto a um companheiro estranho que conheci e resolveu me ajudar. Obrigado mãe!

 Após a limpeza, que não foi rápida, eu fui na varanda fumar um cigarro. Já não chovia mais, estava frio e o ar cheirava a terra molhada e grama amassada. Da varanda, que dava vista para a estátua de Sao Vicente de Paulo, padroeiro daquela instituição católica, só estava claro por causa da luz da copa, isto é, todo restante estava escuro. Acendi meu cigarro e dei a primeira tragada. Escutei o sussuro novamente chamando pelo meu nome e notei um barulho no meio do escuro, eu me asustei um pouco. Não por causa do sussurro mas por que pensei que era uma freira vindo, afinal, era política da clínica não fumar no recinto. Não era nada, ainda bem. Acabei de fumar e fui ver como estava o Sr. Wilson.

 Andei pelos corredores em silêncio, não era minha intençao acordar ninguém. Antes de chegar na porta eu escutei um choro baixo vindo do paciente. Eu decidi manter a calma e espiar, queria saber se era outro paciente provocando o Sr. Wilson, coisa comum de se observar em alas psiquiátricas. Os latidos ao longe começaram novamente, eram constantes e intensos.
 Ao observar atentamente o paciente e seu quarto, não acreditei no que meus olhos viam, uma pequena sombra negra andava pelo teto. Era de arrepiar! Notei que o paciente ficou sem reação enquato a sombra se movia de um lado para o outro no teto. Fiquei com a impressão de que o paciente sabia o que era ou dê onde vinha. A sombra negra, parecia uma mancha dessas que há em quase todos os tetos da nossa casa, como se fosse uma mancha de tinta ou um embolso mal feito que se sobressai no escuro, era totalmente negra e por incrível se destacava da escuridão do quarto, era a cor mais escura que eu já vi, parecia que a luz era engolida por ela e sumia.
 Enquanto aquela sombra se movia, eu tentava buscar explicações científicas, fatos reais. Simplesmente queria explicar algo inexplicável. A sombra parou no meio do teto por alguns segundos. O Sr. Wilson respirou fundo. Ela foi em direção a parede bem de vagar e começou a descer, lentamente a sombra descia. A calmaria com que aquilo se movimentava provocava ainda mais horror.

  Eu estava em choque, imóvel vendo aquilo descer em direção a uma pessoa.
Meu Deus, eu não conseguia me mexer!
 Onde estava a fonte que provocava aquela sombra!? De onde vinha!? Eu pensava.

 Normalmente o ser humano busca explicação para tudo, faz parte da nossa natureza. Assim que se encontra uma explicação plausível sobre algo, automaticamente se perde o medo, total ou parcial do que antes era desconhecido. Eu não era diferente dessa regra.

 Sr. Wilson tentava se mexer mas não conseguia. Começou então a urrar de medo, como anteriormente. Aquela sombra descia lentamente e ia em direção a cabeça dele. Ela não deixava marcas na parede, muito menos fazia barulho. Era só uma sombra. Quando ela chegou ao seu obejtivo, o interno começou a gritar muito alto. Seu rosto estava coberto pela sombra e simplesmente não se notava diferença, era como um rosto protegido pela simples sombra causada pela aste de um boné em um dia claro. Ele olhou nos meus olhos com um grito que cortava o silêncio da noite, foi ai que eu voltei a mim e sai daquela espécie de transe. Eu ainda estava apavorado, minhas pernas tremiam, meu coração estava acelerado e meu estômago estava frio, apresentei sudorese e eu sentia sensações esquizitas por todo meu corpo parecendo a fraqueza de quando a nossa pressão arterial está baixa. Eu não conseguia pensar em nada, absolutamente em nada. Mas tomei coragem e acendi a luz do quarto. Foi instantâneo, aquela sombra negra fez um barulho estranho, como se estivesse fritando algo, som semelhante ao de amassar papel alumínio na mão. A coisa sumiu, desapareceu. Me deu um certo alívio.

 O paciente continuava gritando de choro e pânico do que havia acontecido. Eu parei por algns instantes e ao olhar em direção a ele percebo uma queimadura semelhante a do pé, uma queimadura de segundo grau pulsava e minava sangue. Queimaduras na face são extremamente perigosas. Corri sem pensar duas vezes em direção a farmácia enquanto ligava para o número de telefone da direção. Eu precisava comunicar o ocorrido.

 A Diretora da clínica, a Freira Irmã Helena, atendeu o telefonema com uma voz rouca de sono -pronto! Disse ela, terminando o bocejo. -Tem um paciente, o senhor Wilson, eu não sei explicar, alguma coisa aconteceu com ele, algo o queimou nos pés e no rosto! Eu falava ao telefone, com a voz abalada e demonstrando o meu sentimento de pavor e pânico. Não era por mais, eu havia presenciado algo sobrenatural. -queimaduras? Eu vou ai agora! Respondeu a irmã Helena.
 Eu terminei de pegar o material para realização do curativo e voltei para o quarto. O interno continuava choroso e cada vez que o ar frio da noite passava pelo seu rosto senssível devido a recém queimadura o mesmo gritava de dor aparente, um gemido de dor medonho misturado com medo e pavor devido ao ocorrido. Realizei o curativo conforme o protocolo de atendimento para esse tipo de enfermidade. Fiquei ali parado após o procedimento, eu estava aguardando a irmã chegar. Enquanto isso eu tentava tranquilizar o paciente. Na verdade, de um ponto de vista egoísta, eu estava tentando me acalmar mais do que ajudar o Sr. Wilson. Nenhum pouco bonito, em relação a ética profissional, uma vez que eu que estava cuidando dele e não o contrário.
 Não saia da minha mente aquela cena pertubadora, aquela coisa me apavorava até agora. Só de pensar, de lembrar daquela cena horripilante sinto um medo incontrolável mas aquilo também me intriga.
 Ao me acalmar tentei buscar uma lógica nisso tudo. O que seria aquela sombra? Aquilo gera calor? Por que essa sombra fez isso? Bruxaria? Mas eu não acredito nisso! Será que era mesmo algo sobrenatural? Eu me questionava ao mesmo tempo que negava a positividade de um incidente vindo do além. Como eu vou falar para a Irmã Helena? O barulho de porta se abrindo me asustou, mas logo escutei passos e percebi que era a diretora.

-o que houve aqui!? Perguntava ela olhando o interno com um curativo em sua face enquanto o porteiro, que estava em seu lado esquerdo, olhava fixamente em meus olhos.
-eu não sei ao certo irmã. Aconteceu muito rápido, nem sei se eu mesmo acredito em meus olhos! Eu demonstrava claramente um semblante aterrorizado. Expliquei para ela o que havia ocorrido, disse com todas as letras  e que só de contar isso me arrepiava, falei da queimadura provocada pela sombra.
-meu são vicente! Rogava a irmã perplexa com a história que eu havia contado. A irmã começou a falar alguma coisa, que não dei atenção pois mais uma vez escutei um susurro e a sensação da presença de alguém atrás de mim. Olhei para trás, disfarçadamente para que a diretora não notasse a minha falta de atenção no que ela falava. Não via ninguém. -que novidade! Eu falei em voz alta. -o que, eu não entendi. Disse a irmã Helena. As luzes começaram a piscar.
 -o que é isso? Perguntava a irmã-precisamos trocar essas lâmpadas,  estão com defeito. Mal terminou de dizer a palavra "defeito" e todas as luzes se apagaram. Por sorte, as luzes de emergência se acenderam, típico desse tipo de mecanismo, uma espécie de acendedor automático. Essas luzes ficam na tomada carregando suas baterias internas, assim que a energia é cortada ela acende, seja por meio de remoção da tomada da parede ou seja por falta de luz, como ocorreu neste instante.
 Meu esqueleto gelou. Foi só o tempo do meu cérebro perceber a escuridão e eu comecei a me recordar da cena, da sombra. Pense nisso: após o show de horror que eu havia presenciado, as luzes acabam e eu estou ali, no local onde ocorreu tudo, onde a sombra apareceu. Você não entraria em pânico?

 O paciente, sr. Wilson começou a gritar desesperado. Dava pra enchegar um pouco, graças as luzes de emergência,  e por sorte meu celular estava com a bateria cheia. Eu escutei o sussurro novamente, olhei para trás por instinto pois a luz fraca de emergência não me ajudaria a ver caso houvesse de fato alguém ali. Senti uma sensação forte, aquela presença que gela a espinha, meu estômago ficou esquisito com uma sensação parecida com aquela das montanhas russas quando descemos rapidamente ou com a sensação de alguém atrás da gente, nos observando, quando estamos concentrados no computador. Senti algo no meu ombro.

 Era uma mão!

- deve ter desligado o relógio no padrão de luz, vai religar. Disse a irmã para o porteiro ao me tocar com a mão . - vão os dois, eu ficarei por aqui.

 Eu fui com ele. Passamos pela copa, e mesmo de lá ainda dava para se ouvir os gritos do meu paciente. Estranho, eu não ouvi o cachorro latindo, pensei. Chegamos ao relógio de luz do setor. Mexe pra cima e para baixo a alavanca e nada da luz voltar. Eu ainda estava com medo. Imagine você, o que sentiria após ver o que vi e estar no escuro. Estava com uma sensação estranha, um sentimento pesado.

 Por milagre, após algumas tentativas a luz retornou. Eram por volta das seis da manhã, já iria passar o plantão para o plantonista diurno. Eu não sabia o que relatar no livro de ocorrências do setor. Não encontrei a diretora Helena depois

 Eu fui para casa naquela manhã, peguei o ónibus número 6613 que me deixava quase na porta de casa. Eu estava distraído, desnorteando e por isso preferi não ir de carro. Entrei em um desses coletivos com ar condicionado. Meu pai como odeio ónibus com isso! Não parava de pensar no que havia ocorrido. O que eu havia visto? Era real? Eu não tirava aquilo da minha cabeça. Mais tarde eu desenvolvi uma certa fobia por sombras e pelo escuro, coisa que nunca tratei e muito menos compartilhei com alguém. Mas eu realmente estava traumatizado. Como aquela sombra se movia? Como ela queimou meu paciente? Parecia que estava se alimentando.
 Aposto que você já viu sombras estranhas. No escuro, no seu quarto, no seu trabalho, na rua a noite ou até quando estava prestes a dormir...será que aquela sensação de alguém lhe observando não é de fato alguém ou alguma coisa te olhando, te vigiando? Aquele vulto sombrio que dá calafrios ou aquela sombra rápida vista pelo canto do olho através da sua visão periférica antes de dormir ou quando estava sozinho, acredite em mim: É REAL!
 Além das sombras macabras que arrepiam até a alma, os sussurros que sempre ouvimos, a sensação de alguém nos chamando o tempo todo e não damos atenção. Os passos, batidas na porta e até palmas que escutamos, seria um sinal? Um presságio?
 Eu acho que fiquei louco por causa do que vi!

 E você, já ficou louco também? 

Comentários

  1. Adorei a cronica na real quem ja nao viu o sentiu alguma coisa na hora que tu lee isto ja vem aquele frio na barriga kkkkk

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    1. Obrigado pelo comentário Fransua Fioritti! Que bom que gostou, em breve haverá mais. ☕😉

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  2. adorei!! me senti dentro da história.

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